O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Em sua página no
Facebook, Clara Colker, filha da coreógrafa Deborah Colker, publicou relato do
que se passou no voo 1556, da Gol, em que viajavam nessa segunda-feira, 19, no
trecho de Salvador ao Rio. O comandante da aeronave se recusou a decolar por
causa de uma doença de pele (epidermólise bolhosa) não contagiosa de Theo, que
completa 4 anos nesta quarta-feira, filho de Clara. Deborah
disse
que vai processar a companhia.
"Meu filho foi discriminado, violentado verbalmente. Sofreu preconceito por
ter sua pele diferente", disse Clara no Facebook. "Meu filho tem machucados pelo
rosto. Sua imagem desperta curiosidade, atenção, olhares como qualquer um outro
que não se encaixa nos padrões. Mas e aí?! Qual é o problema disso? Penso que
por ter tais fragilidades deva ser recebido pela sociedade com respeito, amor,
zelo, carinho".
Leia o depoimento:
"Saímos na sexta-feira do Rio para Salvador, pela Gol, sem o menor
problema.
Na volta para o Rio, no Check-in a moça me perguntou o q havia com meu
filho.
Falei q tinha Epidermólise Bolhosa, um problema de pele. OK. Seguimos para
nosso portão, em direção à aeronave.
Passamos pela polícia, novamente pela atendente da Gol. Td OK.
Estava sentada ao lado da minha mãe e do meu filho dentro do avião, ...já nos
nossos assentos, td ok, acomodados. Meu marido sentado na mesma fila no outro
lado do corredor, bem pertinho da gente.
Um funcionário veio até mim e perguntou: - vc tem atestado?
Falei: - do q? Ele disse: - Disso (apontando para meu filho). Do médico da
criança. (apontando na cara do meu filho).
Falei: - ele está bem, tem um problema genético, de pele. sou mãe dele e
responsável por ele. ele está bem e pode viajar.
A abordagem foi super esquisita, meio agressiva, totalmente indelicada mas me
controlei...
Insatisfeito, o funcionário foi até a cabine. Voltou uma mulher, outra
funcionária. O constrangimento começou a piorar. Falei em tom já ríspido:
- Ele eh o meu filho tem epidermólise bolhosa e não tem problema nenhum em
viajar. sua doença não eh contagiosa e ele está bem.
Ja viajei inúmeras vezes c/ ele para dentro e fora do Brasil. Nunca passei
por isso. Basta olhar para mim, p/ pai e para a avó q vivem agarrados nele e não
têm nada na pele.
Mesmo assim, a funcionária como se não estivesse ouvindo o q eu falava, dizia
ainda na frente do meu filho:
- precisa de um atestado médico dessa criança senão ele não poderá viajar
neste voo!
(eu pensava: pq escolheram meu filho! qual o critério para essa
abordagem?????)
Neste instante falei p/ Pedro (meu marido) filmar o q ela ia dizer. Na hora,
ela disse q não falaria se fosse filmada e q não poderíamos filmar. Na frente da
câmera ela não falaria conosco.
Neste instante uma mulher a 3 filas de distância da nossa grita p/ mim: -
chama o Ministério Público! Isso eh preconceito e discriminação!
Comecei a chorar. Já estava mt nervosa. O Theo vendo isso tudo. Surreal. O
avião todo já participando da situação, as pessoas nos olhando.
Um constrangimento inacreditável. Meu filho me olhando, uma criança de 3 anos
passando por isso. Aquele avião fechado, as pessoas sem sair nem entrar, tudo em
torno da gente.
A funcionária saiu. Ficou 10 minutos fora. Jurava q o avião seguiria viagem e
ainda pensei: deviam vir pedir desculpas p/ Theo e para mim...
Volta a funcionária dizendo q o avião só vai partir com aval de um médico. As
pessoas começaram a se manifestar.
Minha mãe q até então estava controlada, se levantou e disse:
- agora me tiraram do sério! Estava tentando me controlar mas não dá! Isso
não existe! O que estão fazendo com meu neto!
(Foi ficando pior. Inacreditável. Só ia crescendo a implicância com o Theo, o
incômodo. meu aperto ali. desumano o q estava acontecendo.
Afinal de contas, meu filho passaria por uma análise de um médico q iria até
nosso assento para avaliá-lo! Surreal! E a situação para uma criança de 03
anos?!
Como assim! Já tinha dito o q ele tinha!
Qd o médico da Infraero entrou no avião minha mãe estava lá na frente da
aeronave, discutindo na cabine, e fui até o médico tb, falamos:
- ele tem uma deficiência genética! Epidermólise bolhosa!
E o médico fala:
- Ah... Epidermólise bolhosa! Não tem problema nenhum o menino viajar! é uma
doença de pele...
senti até o médico constrangido! com vergonha da situação.
o médico foi acionado por uma situação de emergência, como se estivesse indo
socorrer um passageiro q estava passando mal dentro do avião.
Nesse momento, a Polícia Federal tb estava na porta do avião, dois agentes
foram acionados; querendo retirar minha mãe, meu filho, eu e meu marido do avião
e disse q tinha q cumprir ordens da empresa aérea GOL.
Fiquei mt irritada e falava q naquela tripulação só tinham ignorantes,
agressivos. Minha voz mudou, fiquei fora de mim. mal. fiquei leoa, tava mt
chateada com o q estavam fazendo com o meu filho.
Nunca senti uma coisa tão ruim. Um preconceito e discriminação tão grande. Em
04 anos q sou mãe do Theo, já sofri à beça, demais. Ando na rua já acostumada a
ser bombardeada por olhares curiosos mas nunca tinha sentido uma agressão,
violência mesmo, tão grande com ele. o dedo na cara dele, sem a menor piedade.
nenhum funcionário daquela tripulação pensou no constrangimento q estavam
proporcionando àquele menino de 03 anos. ninguém pensou no peso q estavam
colocando na cabeça daquela criança, que é meu filho!
O cenário dentro do avião era: quase tds passageiros em pé, totalmente
indignados, vindo falar comigo, com meu filho. Mt solidários. Super chateados
com a atitude da tripulação da GOL.
Mts tinham conexão e estavam perdendo suas conexões.
Ja tinham uns 40 min de atraso e o circo ainda estava montado.
O médico foi falar com o comandante. Disse q estava td OK q o Theo podia
viajar numa boa.
Mesmo assim o comandante, frio e grosseiro, disse q nós só viajaríamos se
apresentássemos um atestado médico por escrito.
Uma outra médica, passageira, q participava da discussão na frente do avião,
tb foi falar com o comandante, esclarecer que o menino tinha EB e q estava td
certo com ele...
Mas o comandante queria o atestado!
Meu marido sugeriu que o médico da INFRAERO fizesse um atestado, de próprio
punho, ali dentro do avião.
O médico andou em direção a meu filho, olhou ele a cerca de uns 3 metros de
distancia, durou menos de 10 segundos a análise dele, retornou e deu atestado em
um papel qualquer branco sem nada timbrado.
O médico estava sem o carimbo (afinal de cts veio por uma emergência, para
socorrer o suposto paciente q passava mal na aeronave, uma situação de
emergência).
Então, tivemos q esperar mais 20 minutos para q o médico trouxesse o carimbo
para finalizar o "atestado".
Minha vontade era descer do avião na hora estava com nojo, com receio;
qd disse - quero sair daqui...
a mesma mulher, a primeira a gritar sobre o Ministério Publico, disse q se
nós saíssemos do avião tds desceriam conosco.
Que todos estavam com nossa família. Me sensibilizei demais.
Estavam TDS as pessoas do avião super solidárias, preocupadas com o
constrangimento com o Theo. Vinham fazer carinho nele, brincar com ele e falar
comigo.
Resolvi ficar no avião. Nisso já passava 1hora de atraso e o constrangimento
muito grande. Theo me viu chorando de novo.
Tentei disfarçar q o avião não estava atrasado por causa dele... sei q ele
percebeu. impossível não perceber.
Duas meninas vieram até mim com 3 papéis na mão, nos papéis tinham os nomes,
telefones e e-mails de tds q estavam sentados nos assentos, um pouco afastados
de nós e solidários com a causa, dizendo q qq coisa q precisássemos, poderíamos
contar com eles.
O comandante avisou q o avião iria partir. Voamos para o Rio.
Chegaria no Rio 13h50. Chegamos no Rio às 16h10.
No táxi, no caminho de casa, perguntei:
- Theo, vc viu o q estava acontecendo no avião?
Ele respondeu:
- Tava todo mundo olhando pra mim, falando de mim.
Falei:
- filho, só aquelas poucas pessoas chatas falavam de vc, da sua pele, todos
os outros do avião foram nossos amigos.
Ficaram do nosso lado, com a gente.
Fazendo esse relato, tenho ainda mais dimensão do que aconteceu. Parece cena
de filme, parece irreal. Não dá para aceitar que isso foi feito com o Theo.
Não dá para admitir tamanha desumanidade (se é q existe essa palavra!). Tem
um lado q é minha dor de mãe, de ver meu filho, minha cria, viver isso. Racha
meu coração.
Tem outro lado cidadã q não acredita q vivenciou essa situação. Preconceito
puro, rasgado. Na cara!
Meu filho tem machucados pelo rosto. Sua imagem desperta curiosidade,
atenção, olhares como qq um outro q não se encaixa nos padrões. Mas e aí?! Qual
é o problema disso?
Penso q por ter tais fragilidades deva ser recebido pela sociedade com
respeito, amor, zelo, carinho. Além disso é uma criança. Enquanto estou aqui
colocando minha raiva para fora, verbalizando essa situação, ele está com ela
dentro dele. sem "colocar para fora", sem exorcizar essas angustias... Como é
isso? q danos tem isso para ele? como será viajar de avião novamente? ele irá
enfrentar?
Como será estar num ônibus, em um local fechado? Ele vai se sentir como?
Depois de ter passado por um avião inteiro, cheio de gente, no maior rebuliço
olhando para ele, gritando seu nome, gritando as palavras: doença, pode, não
pode, o q é q o garoto tem?! Eu não sei. Eu tô me sentindo muda, angustiada,
presa num presente q me dá medo do futuro.
Nunca imaginei uma empresa fazer isso com alguém. Nunca imaginei uma empresa
fazer isso com uma pessoa. Nunca imaginei uma empresa fazer isso com uma criança
de 03 anos. Theo faz 04 anos depois de amanhã (quarta-feira).
A indicação para alguém q tem Epidermólise Bolhosa é levar uma vida normal, a
mais normal possível. Meu filho vai à escola, tem amigos, brinca, uma família q
o ama mais do que tudo.
Pessoas que lhe tratam com mt amor. A vida dele por si só é sofrida para
caramba. O banho é desesperador. Comer dá trabalho, as coceiras à noite,
curativos diários e constantes etc, etc etc...
Tudo o q ele precisa é de respeito, carinho, cuidado. Não só ele como qq
portador de EB. Lidar com a estética deles já é difícil pois tem machucadinhos
em todo o lugar do corpo.
é uma doença rara mas q mt gente tem e tem milhares de sites na internet, no
wikipidia, etc. é mt fácil saber sobre a doença. Nunca que Theo deveria passar
por isso.
Ele chegou em casa 3 horas depois do previsto, deixou de tomar os remédios na
hora certa, não almoçou. Se coçou à beça durante o voo. Um voo q duraria 02 hs
durou 4hs.
Meu filho foi discriminado, violentado verbalmente. Sofreu preconceito por
ter sua pele diferente."