22/04/2012 - 09h49
Tipicamente paulistana, gíria "coxinha" tem origem controversa
ALEXANDRE ARAGÃO
DE SÃO PAULO
Espécie paulistana que vem acompanhada de certa carga depreciativa e uma
pitada de gozação, os "coxinhas" não são uma tribo e não estão nos dicionários.
Mas o apelido virou sinônimo de "engomado", "arrumadinho" e "criado pela avó".
A
sãopaulo foi atrás de linguistas, rappers, policiais, "coxinhas" e
"anticoxinhas" para tentar descobrir a origem do termo. Difícil foi encontrar
alguém que se assumisse como tal. Entre as 20 pessoas abordadas pela reportagem
nas regiões de Higienópolis e da Berrini, nenhuma se identificou com a gíria e
outras disseram conhecer gente do tipo.
"O Itaim Bibi está para os 'coxinhas' como a Liberdade está para os asiáticos
ou a Mooca, para os italianos", diz o apresentador da MTV Didi Effe, 30,
ex-blogueiro de celebridades.
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Ilustrações Caco Bressane |
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Na definição do VJ, eles frequentam casas noturnas nos arredores da avenida
Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste, trazem o cabelo alinhado, muitas vezes
arrumado para trás com gel, e gostam de camisa polo. "Nós, paulistanos, já somos
meio 'coxinhas' só de termos essa gíria para a gente", diverte-se ele.
Na internet, em um texto publicado em 2002, o publicitário Marcelo Costa
utiliza o adjetivo para classificar bandas como Coldplay e Travis. "Não lembro
como a gente chegou à conotação, mas minha turma usava a gíria", afirma. Para
ele, que foi criado em Taubaté (SP), o equivalente a "coxinha" no interior
paulista é aquele que é "criado pela avó".
No Twitter, o perfil
@tiposdecoxinha,
aberto em 2010, reúne inúmeros exemplos, como aquele que "despreza quem passa o
Réveillon em Buenos Aires porque vai passar em Punta [del Este]". Na internet,
ainda há o blog "Troféu Coxinha de Ouro" (
trofeucoxinhadeouro.tumblr.com
), também de 2010, que "premia" algumas espécies famosas de "coxinha".
O "expert" no salgado Otávio Filho, 37, dono do Veloso --cuja coxinha foi
eleita a melhor porção de bar pelo júri do "Melhor de
sãopaulo 2011"--,
arrisca uma possível interpretação. "'Coxinha' é aquele cara meio almofadinha.
Eu associo almofadinha com a coxinha", diz, sobre o salgado macio.
Especialista em gírias, a professora da USP Marli Quadros Leite, 54, nunca
tinha ouvido falar no termo. Mas diz que o nascimento de gírias segue uma
lógica: a palavra é usada como código dentro de um grupo, depois o significado
extrapola para outros, até que seja adotado por quase todos.
MOTOS E MÚSICA
Uma das explicações é que a palavra tenha vindo dos motoclubes. "'Coxinha' é
aquele cara que sai para viajar de moto e, quando chove, encosta no posto da
estrada e liga pedindo para alguém ir buscá-lo de carro", conta Reinaldo
Carvalho, 55, presidente da Federação dos Motoclubes do Estado de São Paulo.
"Tem cara que tem Harley-Davidson e não anda na chuva", debocha.
"Talvez porque o camarada fique com as coxas bem postas junto à moto",
especula o professor de português Pasquale Cipro Neto. O colunista da
Folha ressalta, no entanto, que é difícil precisar uma gênese do termo.
"Não achei referências em nenhuma obra, inclusive nos dicionários mais novos."
Ainda sobre a possível ligação do vocábulo com a coxa da perna, há quem
teorize que ele nasceu devido àqueles homens comportados que, quando na praia,
usam bermuda no lugar de uma sunga e, depois de tomar sol, ficam com a coxa
branca.
O produtor musical DJ Hum, que fez dupla com o rapper Thaíde nos anos 1980,
ainda conta que o apelido também é sinônimo para vinil. "Alguns DJs de black
music dizem 'ninguém vai morder minha coxinha', para não emprestarem seus
discos", afirma ele.
O linguista Bruno Dallari, doutor pela Unicamp, afirma que, na maioria dos
casos, é impossível ter certeza sobre qual a fonte de uma palavra ou um
significado novo. "Às vezes, há origens identificáveis, mas sempre causam
controvérsias", afirma, citando a palavra "Brasil", cujo surgimento, diz,
envolve quatro ou cinco teorias.
PMS E SALGADINHOS
"É o estilo favela e o respeito por ela, os moleque [sic] têm instinto e
ninguém amarela. Os coxinha cresce [sic] o zóio na função e gela." O trecho da
música "Da Ponte Pra Cá" (2006), dos Racionais MCs, não faz referência a
frequentadores de baladas do Itaim Bibi, mas a policiais militares.
Há duas possíveis origens para o apelido nada amigável dado à PM. "Acho que é
por causa da história que sempre tem uma viatura da PM parada em frente à
padaria", diz o rapper Max B.O., que apresenta o programa "Manos e Minas", da TV
Cultura. A segunda versão diz que o vale-refeição dos PMs tinha um valor baixo e
acabou apelidado de "vale-coxinha".
Assim, o termo pode ter "colado" por ser uma associação entre o salgado e o
agente --por lei, um "certinho", defensor da ordem e dos bons costumes.
Em uma abordagem, o cidadão que se referir a um policial por meio do termo
não será, necessariamente, preso por desacato. Procurada, a PM não se pronunciou
sobre o assunto. Mas a avaliação é de três especialistas em direito e segurança
pública.
"Depende do contexto", diz José Vicente Filho, coronel da reserva. "Essa
situação cai no que chamamos de ato discricionário: o policial pode ou não tomar
uma atitude." O melhor é não contar com o bom humor alheio, seja qual for o
contexto.