Título original (tudo em maiúsculas mesmo) TIM MAIA MISTURA "ROCK", XAXADO, SAMBA, JAZZ, "SOUL" E OUTROS SONS NO CIRCO VOADOR.
Do alto de seus 130 quilos, oito anos como artista independente, 12 de carreira, Tim Maia detona:
- Estou morrendo de fome, cheio de pipocas (dívidas), paga aqui, paga ali, ninguém toca meus discos, é uma luta. Não é uma alegria nem uma realidade amena e suave, é uma guerra. O Pelé é o maior mentiroso do mundo, é o negão mais safado da face da Terra, o preto mais branco do Brasil, mas ele falou uma coisa certa: na África o cara tem que cortar o rabo de um leão para provar que é caçador, aqui tem que cortar um rabo por dia. Foi a única coisa verdadeira que o Pelé falou. Vê se ele encarou a avenida. Ele só quer a Xuxa, mas quem não quer (largo sorriso, guloso, maldoso). Quando chega na Xuxa não dá nem para pensar em raça: fica todo mundo azul.
Sentado na beira da piscina de seu prédio na Gávea, gestos largos, voz alta, Tim Maia está cheio de queixas contra gravadoras e meios de comunicação. Ele mesmo grava, vende e promove seus discos e ninguém toca devido ao misterioso jabaculê (será alguma forma de preparar jabá?).
- O Rio é a capital mundial do jabaculê. Aqui se encontram os maiores jabaculezistas, eles se reúnem na praia para decidir quem vão matar. Espero que o Brizola faça alguma coisa sobre isso. [Leonel Brizola tomou posse no dia 15 de março de 1983 para o primeiro de dois mandatos de governador do Rio de Janeiro].
A falta de lugar para tocar também preocupa Tim Maia, que se defende em shows nos clubes do subúrbio:
- Eu toco nos que sobram, porque os bons estão com o Roberto Carlos. Por que os Medinas não bancam artistas como eu para tocar no campo do Flamengo e faturarem uma graninha legal? No mesmo dia em que o Julio Iglesias estava no campo do Flamengo cantando por 286 milhões, eu estava num clube em Mesquita por 500 mil cruzeiros e ainda presenciei uma cena horrível: um cara deu um tiro no joelho de outro em pleno clube. Quem me levou lá foi o Ivan 8. Depois desse dia eu rebaixei ele para Ivan 6, perdeu dois pontos.
Tim Maia surgiu há 12 anos com uma mistura de rock, soul e xaxado. Fez muito sucesso, suas vendagens iniciais superaram as 100 mil cópias vendidas por conta de hits como Azul Da Cor Do Mar, Primavera e Coroné Antonio Bento. Na época, o peso dele não tinha chegado aos três dígitos, mas em 74 embarcou no Racional Superior, um grande erro em sua vida:
- É a maior mentira. O Manuel Jacinto Coelho tem um sitio que é quase uma cidade em Nova Iguaçu, vende 10 mil livros, domina todo mundo, ele me dominou.; Gravei dois discos que ele mandava vender só porque vendia o livro dele junto. A única vantagem é que eu dispunha de 22 neuróticos fanáticos que batiam continência para mim. Eles vendiam meus discos pelo Brasil e voltavam com as contas todas certinhas e ainda diziam amém. Fanático é ótimo para vender. É outra coisa que eu quero ver o Brizola tomar uma providência, não pode deixar do jeito que está.
Tim Maia reivindica o pioneirismo no disco independente no Brasil, mas alega que suas idéias foram roubadas pelo Antonio Adolfo:
- Naquela época, 73, eu estava purinho, todo racional, expliquei tudo para o Antonio Adolfo e ele fez tudo errado. É o grande culpado pelo insucesso dos independentes, inflacionou o mercado com um bando de mentirosos sem capacidade de competir no mercado discófilo mundial. Qualquer um que cantava um aruarê, aruará, tinha um violão de 12 cordas, um amigo que tocava flauta e uma irmãzinha para fazer vocal gravou independente. Nem chegou a ser um movimento por culpa da ganância do Antonio Adolfo.
Falar de preconceito contra o rock perto de Tim Maia provoca explosão instantânea:
- Chorinho não é cultura brasileira, é mistura de fado com tango. Samba de breque é gíria argentina, não existia malandro no Brasil. O brasileiro é mestiço e todo mestiço é pirado, eu sei disso porque crio cachorro. Se é purinho tudo bem, cruzou, fica pirado. O rock vive no Brasil com os crioulos de origem enraizada na África, é música de preto africano colonizado. Nos Estados Unidos eles lavaram culturalmente o negro pra ele virar branco. Aqui não, comiam ele de pau e, quanto mais batiam, mais ele tocava o tambor lá.
Tim Maia acha que a bossa nova do jeito que foi consagrada é um desvio do samba jazz inventado pelo Johnny Alf (que era negro):
- O João Gilberto é 22 (maluco), o samba jazz era rápido, tinha o maior suingue, veio o pessoal de Ipanema, todo mundo cansado, e levou tudo para trás, ficou aquele nhém nhém nhém. A escola João Gilberto é péssima na parte vocal, na parte ritmica aproveita até certo ponto. O Chico Buarque ainda diz alguma coisa, a musicalidade é limitada, mas ele grilou muita gente, formou uma escola de grilados na música brasileira.
De repente ele se cala porque aparecem duas mulheres de biquini, com cara de mãe e filha. E ele, fiel à fama de mulherengo, começa a dar a maior azarada e falar coisas como "a coroa está enxutinha. Para aquela ali eu dava casa, comida, roupa lavada e cenzinho por mês só para ela ficar em casa me esperando." Depois de muita luta, conseguiu-se trazê-lo de volta para a conversa:
- O Brasil é terra de mestiço pirado querendo ser puro sangue, nordestino chega aqui e daqui a pouco está complicando tudo. Existe uma intelectualidade desgraçada no meio artístico brasileiro, é angu, é caruru. Diz que não gosta de americano e é mais influenciado desde os tempos do Pixinguinha. Música Popular Brasileira? Não existe isso, não existe MPC, Música Popular Chinesa ou MPA, Música Popular Americana, é só rótulo.
Tim Maia não se esquiva em distribuir críticas para todo lado sobre o comportamento de seus colegas cantores:
- Outro dia vi o MPB4 pulando e cantando loucamente aquela música que fala em viajar na cauda de um balão azul. Foi o máximo. Eles querem pegar a vendagem de qualquer maneira. Eu nunca fui direcionado, sou como o Erasmo Carlos, é aquilo mesmo. O Roberto Carlos tentou se intelectualizar, mas não acabou nem o ginásio. Ele fez um curso de datilografia no Ultra lá na Tijuca, mas não terminou. Confunde datilografia com ginásio e fica cheio de pose, meu irmão!
Uma menção ao sucesso de Eduardo Dusek provoca um rasgo de ironia:
- Pera aí. Não compare o meu com com o do Dusek.Trocar sua cachorra por uma criança pobre é demais. Eu falo "azul da cor do mar, se o mundo inteiro me quisesse ouvir, tenho muito para contar, dizer que aprendi". Não tem nada a ver com cachorro. O Dusek foi uma jogada. Ele veio de Jesus Cristo fazendo sátira de apocalipse, ele não tem carreira de rock. Está de H.
Tim acha que muitos desses artistas são explorados por gravadoras que não estão no Brasil para vender música brasileira:
- Somos testas de ferro das grandes multinacionais, descarrego do ICM e do imposto de renda. Pra começar, elas estão aqui para lançar discos nacionais e vender os internacionais, né meu irmão? E tem casos como o de Sidney Magal, que é o maior H e não sabe. Daqui a pouco largam e ele cai mortinho. Ficam naquela que o Tim Maia é muito louco, chegam cheio de well. Não sou bobo, entendo tudo. Há oito anos transo com estúdios, gráfica, lojista. Agora vai dizer isso para a Fafá de Belém, ela dá uma risada e abraça o Midani e você fica olhando como se fosse inimigo dela.
Esses problemas todos chateiam o Tim apesar de ele estar acostumado com a dureza que enfrentou a vida inteira. E que inclui passagens pela prisão por roubar uma cadeira e por fumar maconha. Em seis anos de vida nos Estados Unidos fez de tudo, trabalhou até em necrotério, morou em mil lugares diferentes, dormiu na rua e dava pequenos golpes.
- Quando chegava a devolução do imposto de renda ninguém trabalhava mais. A gente pegava o cheque, fazia uma identidade fajuta (lá nenhuma carteira tem foto) e trocava em qualquer liquor store na compra de uma garrafa de bourbon, era uma beleza. Eu aprendi a roubar com os americanos, são os segundos mais ladrões do mundo. Americano não deixa de entrar em supermercado e roubar alguma coisa. Ele acha o máximo, rouba até chiclete e todos já foram presos por alguma coisa.
Ter percorrido o que chama de "a rota da pilantragem" não impediu Tim de ser cheio de filosofia e ideais. Cita o programa Cosmos, da Rede Globo, que vê todo domingo:
- É a melhor coisa atualmente, o way out, fora dessas coisas bobas, fúteis e terráqueas. O Carl Sagan falou que a gente podia estar viajando para as estrelas, outras galáxias, a gente era para estar em outra. Se todo mundo tivesse prestado atenção a Leonardo da Vinci, Einstein, estaríamos bem melhor de cuca. Mas fica todo mundo angustiado e ligado no Hitler, essas bestas do apocalipse que não tem nada a ver.
Tim está distribuindo um novo compacto com duas versões do grupo americano Quick. Versões são forma de música mais comercial:
- Agora entendo porque as gravadoras queriam que a gente gravasse versão na época.
Ele quer se jogar inteiramente como intérprete e pensa na sua firma, a Seroma, formada pelas letras de seu nome Sebastião Rodrigues Maia, que precisa faturar. Ele continua lutando na distribuição de seu 12º disco, Nuvens, gravado com o dinheiro que levantou no sucesso Do Leme Ao Pontal e faz shows onde pode com a banda Vitória Régia, 10 músicos, incluindo três sopros e percussão e que lhe custa 300 mil por show. Reconhece que é muito pouco, mas não dá para pagar mais.
Depois de mais uma azarada nas mulheres da piscina ele convida a subir até seu apartamento, um sala e quarto onde mora sozinho - "meu último casamento não deu certo, durou três dias". Depois de uma rápida refeição de emergência, se não comesse ia "ter um troço", ele se despede com uma risada e uma frase:
- Não leva a sério nada do que eu disse. É tudo brincadeira.