terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O SALMÃO QUE COMEMOS.

Veja como é feita a engorda do salmão e o impacto da criação

Quase todo o salmão consumido no Brasil vem do Chile.
Criação pode causar danos ao meio ambiente.

Há dez anos, o Brasil comprava do Chile dez mil toneladas de salmão. Hoje, são 80 mil toneladas. É praticamente todo o salmão consumido no nosso país. O Globo Rural visitou os centros de cultivos para entender como é feita a engorda do peixe e os reflexos da criação para o meio ambiente.
Os salmões ficam dentro de ‘balsas-jaulas’, enormes tanques-rede flutuantes, com 25 metros por 25 metros e 20 de profundidade. Em cada uma ficam 28 mil peixes, que permanecem por 17 meses, até alcançarem 4,5 kg. Eles são monitorados 24 horas.
Jorge é mergulhador e entra todos os dias no tanque. Ele monitora a mortalidade e a atividade do peixe. Também checa se as redes estão perfeitas para que os salmões não escapem. Caso isso aconteça, os criadores têm prejuízo. Além disso, pode causar um dano para o meio ambiente, porque o salmão é uma espécie exótica.
A indústria diz que não há escape, mas o biólogo do IMar – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Recursos de Ambientes Costeiros, em Puerto Montt, Edwin Niklitschek, discorda e explica. “Estamos falando de vários milhões de salmões que escapam todo ano. Isso tem um impacto muito grande sobre os peixes nativos. Porque se alimentam deles e competem com eles.”
Remígio Gutierrez, pescador há 25 anos, dirige o sindicato da categoria e denuncia os efeitos da indústria salmoneira para o meio ambiente. “Havia muita vida antes deles chegarem, mas depois morreu tudo o que está ao redor. Isso se chama: a sombra da indústria salmoneira. Os sedimentos, as fezes do salmão que caem ao fundo do mar, matam toda a vida. Termina com tudo".
O tratamento para doenças do salmão é outra polêmica. “O medicamento já vem na ração. Normalmente se usa antibiótico para combater a doença bacteriana”, explica o técnico do Centro de Cultivo Francisco Alvarez.
“Isso prejudica muito a vida do fundo marinho, que fica limitada às bactérias que estão aproveitando a matéria orgânica e alguns poucos sobreviventes. A matéria orgânica e os químicos que se diluem desde a sombra da balsa-jaula e chegam ao meio ambiente podem levar à proliferação de espécies indesejáveis, como maré vermelha, algas que bloqueiam o sistema respiratório dos animais e algas tóxicas”, diz o biólogo do IMar.
Ao fim de cada ciclo de cultivo, o centro passa por um período de três meses de descanso obrigatório por lei. É um vazio sanitário, criado depois de uma crise sofrida pela indústria salmoneira, entre 2007 e 2009. O vírus da anemia infecciosa, chamado vírus ISA, que não atinge o ser humano, matou a metade dos peixes. Indústria e governo tomaram uma série de medidas para controlar a crise.
“Na prática, se mudou desde a restrição à importação de ovas, até a criação de bairros de centros de cultivo, organizados geograficamente e que têm épocas de cultivo. Descansam três meses e outros bairros vão produzir. Desta maneira se contém uma eventual disseminação de um vírus e se coordena os tratamentos no interior de um bairro”, explica Felipe Manterola, representante da SalmonChile.
No estuário de Reloncavi, encontramos balsas de cultivo de salmão abandonadas. A denúncia é que estão assim há anos.

Em Santiago, capital do país, o diretor do Serviço Nacional de Pesca e Aquicultura José Miguel Burgos confirma que o cultivo está mesmo fechado há mais de dois anos, em um processo em que o governo deve suspender a concessão, porque não foram respeitados os limites exigidos.
“São observados vários parâmetros, basicamente para garantir oxigênio suficiente no fundo marinho. Quando algum limite é superado, esse centro que superou o limite não pode operar até que recupere sua condição. Essa é uma regulação mais restrita que em muitos outros países”, diz o diretor.
Enquanto se discute se as regras são adequadas, a indústria do salmão continua empregando direta ou indiretamente 73 mil chilenos e produzindo alimento.
Quando atinge 4,5 kg, o salmão do Atlântico é transportado em navios rumo ao processamento.

Em Quellón, na ilha de Chiloé, existe um centro de monitoramento. Lá, os peixes são sugados por uma tubulação e caem em tanques para o processamento. Dependendo da época do ano, os tanques recebem de 30 mil a 100 mil peixes por dia.
Já sem as vísceras, o salmão passa por uma checagem. Juan Fernandez, chefe de produção, explica o que deve ser observado. “Tem que ver se há algum corte ou ferida. O interior deve estar limpo e as nadadeiras íntegras. A pele deve ter dorso escuro, azul ou verde, e a barriga prateada. Os olhos devem estar projetados para fora, porque isso significa que é um peixe fresco”.
Receita
O chefe suíço, Frederick Emeric, explica as características do salmão. “O salmão é um peixe muito bom, porque tem pouca gordura e é uma gordura saudável para o organismo”. Ele preparou um prato chileno: ceviche, peixe cru marinado no limão.
Ele corta o salmão em cubinhos e acrescenta cebola roxa, aipo, suco de limão, alho, azeite, sal e coentro. Depois gengibre e pimenta aji, muito usada na região. Mistura tudo e está pronto! Veja no vídeo toda a explicação.

O SALMÃO JÁ NÃO É MAIS O MESMO.

Especialistas comentam diferenças entre salmão selvagem e de cativeiro


  • Salmão preparado em restaurante ou vendido em supermercado é, em sua maioria, criado em viveiros Salmão preparado em restaurante ou vendido em supermercado é, em sua maioria, criado em viveiros
Cada vez mais presente na mesa dos brasileiros, o salmão costuma ser tratado como um aliado quando o assunto é alimentação saudável. Além de ser uma boa fonte de proteína, é um peixe rico em ômega 3, que melhora o humor e previne doenças cardiovasculares, alzheimer e depressão, segundo especialistas. Contudo, as propriedades do salmão selvagem – pescado de maneira natural - são diferentes do salmão cultivado em cativeiro, como o que consumimos no Brasil.
"Natural das costas do Atlântico Norte e Pacífico, o salmão normalmente nasce em água doce, migra para o oceano e retorna à água doce para se reproduzir. Esses animais são intensamente produzidos por aquicultura (cultivo de organismos aquáticos em cativeiro) em muitas partes do mundo, como os lagos da América do Norte, da Escandinávia e os lagos Chilenos", explica a nutróloga Marcella Garcez, membro da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).

Porém, o salmão preparado em restaurantes ou vendido em supermercados na América e na Europa é, em sua maioria, proveniente de criações em viveiros. Segundo Melanie Whatmore, gerente da marca Salmón de Chile, que exporta salmão para o Brasil, o país é o terceiro maior mercado importador de salmão no mundo, atrás apenas de Japão e Estados Unidos.
Em relação ao ômega 3, um ácido graxo associado a redução de doenças cardiovasculares, estudos trazem resultados diferentes. Alguns dizem que o salmão de cativeiro contém mais ômega 3 que o selvagem, enquanto outros indicam que contém menos. Tudo depende da ração utilizada nos criadouros.
Pigmentação artificial

Outro detalhe é que o salmão de cativeiro é colorido artificialmente. A cor característica do salmão é reflexo do tipo de alimentação do peixe durante seu crescimento.  "Para o salmão de viveiro ficar com a cor igual ao selvagem, que se alimenta principalmente de outros peixes, pequenos crustáceos e algas, são adicionados à ração carotenoides como a astaxantina e a cantaxantina", afirma Garcez.

A principal fonte desses carotenoides é a alga de água doce Haemococcus pluvialis. "O consumo excessivo destes pigmentos pode causar intoxicação e alergias", alerta Garcez.

Em 2004, a revista Science publicou uma pesquisa coordenada pela State University de Nova York, em Albany (EUA), que afirmava que o salmão de cativeiro era um inimigo da saúde porque esses pigmentos eram substâncias cancerígenas. Segundo o relatório produzido por cientistas norte-americanos e canadenses, duas toneladas métricas de carne de salmão em estado selvagem e criado em cativeiro foram analisadas para chegar a essa conclusão.

Contudo, Garcez explica que o relatório traz poluentes e pesticidas que podem ser encontrados no salmão de cativeiro, mas que eles não são resultado da pigmentação artificial ou da ração dada aos peixes. "O problema é que o ambiente artificial em que esses peixes são criados é mais suscetível ao aparecimento de patologias microbiológicas que por anos eram combatidas com substâncias tóxicas, como o Dieldrin e Toxafeno, que contaminaram o ecossistema local de tal forma que o ambiente ainda não se livrou delas", explica Garcez.

Questionada sobre o estudo, a gerente de marca Salmón de Chile, que enviou ao Brasil mais de 67 mil toneladas de salmão em 2012, responde: "A produção desse pescado no Chile está de acordo com os níveis internacionais de qualidade e possui as certificações ISO 9001, GlobalGAP, BAP e Global Aquaculture Alliance, organizações que certificam a qualidade de produtos agrícolas em todo o mundo", afirma Whatmore.

A médica nutróloga Marcela Garcez, que visitou a produção de salmão de cativeiro no Chile, explica que a versão produzida em viveiro tem um ciclo de vida muito diferente daqueles que vivem livres na natureza e que a principal desvantagem é o risco de proliferação de doenças, sejam elas parasitárias, bacterianas ou virais, nestes indivíduos que vivem em espaço reduzido e artificial.

  • Marcella Garcez/Arte UOL