quarta-feira, 28 de março de 2012

TEM MUITO CHATO POR AÍ QUERENDO DIZER O QUE DEVEMOS FAZER


VIDA MODERNA

Eu mando, você obedece

Por Carlos Brickmann em 27/03/2012 na edição 687
Compartilhar no Facebook
Há muitos e muitos anos, os profissionais do sabe-tudo informavam que banho fazia mal: muito banho dava algo chamado “refluxo”, um horror. O ideal, dizia um provérbio da época, era “um banho ao nascer, outro ao morrer”. Um bom remédio, para os sabe-tudo, eram insetos que sugavam sangue. Vacinas? Foi preciso usar a polícia para que os vacinadores não fossem linchados.
A versão moderna dos sabe-tudo quer mandar em todos os aspectos da vida familiar. Chocolate para os filhos? Não: é um alimento muito calórico e pouco nutritivo. E quem insistir na propaganda do chocolate é ameaçado com denúncias ao Ministério Público, à polícia, às ONGs “do bem” (apenas para criar-lhe problemas, gerar incômodos e provocar maiores custos). A família e seus médicos de confiança perdem o direito de determinar a alimentação (e educação) dos filhos: todos têm de obedecer aos sabe-tudo aliados à dedoduragem. Desobedeceu, polícia nele.
Um dos maiores quadrinistas brasileiros, Maurício de Souza, premiado pela ONU por seu trabalho contra o racismo, foi denunciado pelos sabe-tudo ao Ministério Público porque em suas revistas há publicidade (e como pagá-las, sem anúncios?). Agora a guerra é contra o Kinder Ovo, movida pelo mesmo Instituto Alana que atacou Maurício de Souza.
Onde já se viu fazer propaganda para vender seu produto? Denúncia neles – denúncia que desvia o foco do trabalho dos atingidos, que os obriga a contratar advogados, que gera propaganda negativa de seus produtos. Isso, naturalmente, vale para empresas produtivas: bancos, por exemplo, podem usar bebês em anúncios, sem se preocupar com o stress das gravações; podem usar criancinhas à vontade em sua propaganda; podem cobrar juros que desestruturem famílias; podem mostrar como é bonito reduzir seus custos com papel sem transferir esses ganhos aos clientes; podem liderar a lista de queixas de maus serviços elaborada pelo Procon. Bancos estão livres de qualquer denúncia. Os sabe-tudo sabem com quem mexem.
O curioso é que a imprensa, que vive de publicidade, que sem publicidade fecha as portas e não pode cumprir sua missão, aceita acriticamente a onda denuncista do sabetudismo. Publicar as denúncias, OK: são notícias e têm de ser divulgadas. Mas é preciso colocá-las no contexto; é preciso entrevistar os denunciantes e saber como é que querem que as empresas levem seus produtos ao conhecimento do público sem que lhes seja permitido anunciá-los. Serão contrários à distribuição de informações aos consumidores? É preciso abrir-lhes espaço para que digam se querem substituir-se às famílias como tutores dos filhos que não são seus; e, se não o querem, como compatibilizam a fúria denuncista com a liberdade de escolha do consumidor e do cidadão.

PS
Há quem diga que os sabe-tudo são ditatoriais, mas defendem o bem. Pode ser; mas ditadura do bem continua a ser ditadura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário