Ciclistas gastam até R$ 3 mil para reformar 'bikes' antigas
VANESSA CORREA
DE SÃO PAULO
Bicicleta está na moda. As vintages, então, duplamente na moda. Há
importadas, inclusive, que saem diretamente da fábrica com ar retrô.
Mas, para alguns ciclistas nostálgicos, legal mesmo é reformar aquela magrela
enferrujada na garagem. Quase sempre uma Caloi 10 ou uma Caloi Ceci,
onipresentes na memória de quem cresceu nos anos 1970 e 80.
As primas Carolina, Isabel e Valéria Lopes têm mais de 20 anos e ainda andam
de Ceci. Os modelos, produzidos a partir de 1978 (uma linha "exclusivamente para
as mulheres"), não são mais cor-de-rosa, embora tenham a famosa cestinha, agora
de palha.
Caloi Berlineta dobrável que passa por restauração
A advogada Isabel, 33, herdou a bicicleta de uma tia e manteve a cor preta
original. Já a estilista Carolina, 25, e sua irmã, a administradora Valéria, 26,
compraram as suas e mandaram pintá-las --uma de bege, outra de verde-musgo.
Adicionaram guidões e selins com estilo antigo.
"Acho [a Ceci] a mais bonita de todas, e é clássica", diz Carolina. O pacote
completo saiu por R$ 1.800 --o modelo retrô custou R$ 190, e a reforma (peças
novas e pintura) consumiu o resto da grana.
Mais em conta do que o modelo clássico 0 km. Esse custaria cerca de R$ 4.000,
podendo chegar a R$ 10 mil.
ANTES TARDE
O estilista Amauri Caliman, 51, não teve uma Caloi 10 "naquele momento em que
todo mundo tinha, nos anos 1970". Já hoje tem quatro.
Reformou sua primeira há um ano e meio. Tomou gosto. O exemplar do modelo
esportivo lançado em 1972, o primeiro com dez marchas no país, estava parado na
garagem do dono de uma padaria da Vila Madalena.
"Ofereci R$ 500, pensei que estava legal, mas estava toda estropiada. Mandei
desmontar inteira, pintar. Não quis manter as características originais, quis
dar outra cara."
E lá se foram R$ 3.000.
O advogado Antônio Crescenti, 63, prefere se espelhar no passado. Ele pedala
pela ciclofaixa da avenida Tiquatira, na zona leste, com sua Caloi 10 original,
linha Sportissima. A "bike" foi repintada "igualzinha" como era, na cor
ouro-velho; o grafismo com o nome do modelo, refeito à perfeição por um
especialista.
Mais purista é o restaurador e colecionador Marcos Perassollo, 58, que já
perdeu as contas de quantas bicicletas voltaram ao original em suas mãos nos 30
anos de ofício --calcula centenas.
Ele busca sempre peças originais e retoca com aerógrafo (espécie de
pistolinha que realiza pinturas por meio de ar comprimido) as partes mais
deterioradas. "Meu ideal não é que fique parecendo novinha, mas que pareça que
não foi feito nada."
Em sua oficina no Morro do Querosene, na zona sul, Marcos mantém mais de uma
centena de antigas "de verdade". "Caloi 10 e Ceci eu não considero antigas",
afirma.
Segundo Marcos, entre as anteriores a 1970, a marca mais fácil de ser
encontrada no Brasil é a inglesa Phillips (das quais tem dezenas). Mas ele diz
gostar mesmo é das italianas e francesas de corrida, como as Cinellis ou as
Peugeot.
DESAFIO
Para quem restaura, a paixão é também um desafio. Mário Canna, da loja
Ciclourbano, diz que "a graça da coisa" é descobrir onde encontrar peças
originais de cada modelo.
Sites como E-bay e Mercado Livre ajudam a garimpar algumas delas. Mas há os
especialistas em itens específicos, como os velhinhos ingleses. "Eles têm pilhas
e pilhas com decalques de época, mas não vendem para qualquer um, querem saber
se você tem a bicicleta mesmo", diz Mário.
Se a bicicleta tem valor pela originalidade, ele compra a briga. Teve um
cliente, por exemplo, que pegou a 'bike' que foi do avô, bem enferrujada. "Devia
ter uns 60 anos. Queria pintar de preto-fosco e colocar rodas verde-limão.
Falei: você vai descaracterizar."
Mário sugeriu, então, que ele a limpasse e trocasse os seus pneus. "Tinha uma
beleza por estar deteriorada. Não fiz [o serviço]. Era muito bonita, e o cara
acabou com aquilo."
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